segunda-feira, 12 de maio de 2008

ALMOÇO DE DOMINGO

A expressão blasé da garotinha não transparecia a força com que agarrara as genitais do tio por debaixo da mesa. A família, reunida para o almoço de domingo, não percebera o que se passava ali. Desde o reencontro com o tio, dias antes, a menina passou a acreditar que tinha anos suficientes para dedicar boa parte das suas horas aos pensamentos que, dali por diante, cultivaria por ele. Túlio, no auge dos seus 31 anos, nem desconfiava das intenções da sobrinha. Até a mão da garota aproximar-se do seu joelho.

O reencontro acontecera em uma calorosa tarde do mês de janeiro. O termômetro denunciava 30 graus. Mergulhado sob a água da piscina, o corpo da garota já apresentava os primeiros sinais da puberdade. O almoço de domingo – principalmente a essa época do ano – era motivo de casa cheia. Acostumada, mal percebera a presença de Túlio, o tio, recém chegado da viagem de seis meses pelo exterior. No instante em que o olhar da garota atravessou o pátio e cruzou com o corpo do jovem rapaz, um arrepio correu-lhe a espinha. Apoiada sob a beira da piscina, Joana era a imagem do desconcerto. Algo mudava dentro dela. E, enquanto gotículas d’água escorriam pelo rosto da mocinha, iam embora também seus sonhos de criança. “Pura babaquice”, repetia.

Na mesma tarde, em frente ao espelho do quarto, Joana acariciava-se. Pensava no tio. No sol que iluminava a face do tio. Nas mãos fortes do tio. Nos braços que envolveram seu corpo em um longo abraço, logo que ela saiu da água para cumprimentá-lo. Na saudade que nem mesmo ela sabia que sentia dele. E, desde os segundos iniciais daquele instante misterioso – quando algo se modificara –, a garota não barrou um pensamento sequer. Vivia-os. Sentia-os. Como uma jovem donzela. Como tinha de ser.

Os dias nasciam e morriam sem que Joana percebesse o real significado daquele desejo. E nem para onde ele a levaria. A cada visita, a cada abraço carinhoso, a cada momento a sós com o tio, Joana consumia-se. Faltava-lhe ar, faltavam-lhe mãos para agarrá-lo e leva-lo para dentro de si. Faltava-lhe coragem. “E aí garotinha, como vai a escola?”, dizia o tio para a sobrinha. Ela odiava que ele a tratasse como criança. Fechava o rosto e respondia, ríspida: “Bem”. Juntava as mãos e apertava os dedos. Puro ódio. Amor puro?

O fato é que Joana desabrochara. Para o amor. Mais: para o sexo. E, mesmo sem qualquer experiência, era enfática: “Eu quero”. Determinada, a garota seguiu, dia após dia, até o almoço daquele domingo, quando o tio sentou-se ao seu lado na mesa. Enquanto a família comungava da presença uns dos outros, Joana suava. Pensava. Queria. Trêmula, a mão da jovem encontra o joelho do rapaz. “Tio, me alcança a salada”, disse, deslizando a mão pela coxa e chegando até o pênis do jovem. Túlio ficou imóvel, com o prato de salada em uma das mãos, os olhos arregalados e o rosto vermelho. Por debaixo da mesa, Joana segurava e acariciava aquele objeto de desejo que a fazia arder. Parecendo não crer no que ocorrera, Túlio trouxe o prato de salada para perto de Joana, afastou a mão da garota, olhou no fundo de seus olhos, e saiu.

Minutos depois, Joana encarava-se, novamente, no espelho do quarto. A lembrança do olhar de indignação do tio doía e misturava-se às lágrimas que escorriam pelo rosto da menina. Ali, esvaiam-se seus desejos. Foi aí que ela desceu as escadas, atravessou a casa e chegou até a beira da piscina. A família – mesmo sem entender a saída de Túlio – almoçava.

Ninguém compreendera a morte da garota. Nem o porquê de não conseguirem salvá-la. Túlio, o tio, sentia-se culpado. Não encontrava razões para explicar esse sentimento.


Pelo resto dos dias, aos domingos, aqueles almoços nunca mais foram os mesmos.

O Canhoto

11 comentários:

O que eu tenho pra dizer!!! disse...

caramba que final em hehehehehe, gostei como escreveu, me prendeu a atençao ate a ultima palavra. parabens :)

MaxReinert disse...

Eita...
Nada que um pouco de perversão não anime o blog, hein???
Tava na hora de atualizar... aliás.. passou da hora... deixem de ser preguiçosos... respeitem os leitores... hehehehehhe

Abraços!!!!

Tom Coyot disse...

almoço de domingo
que saudades dos meus.

Daniel disse...

que almoço pornô..

S. disse...

nossa almoço de domingo...saudades! faz tempo que não tenho...faz parte!
tudo de bom pra vc!
bjs
Su

Anônimo disse...

q trágico! :p

Daniel disse...

Putz.. eu odeio quando as pessoas banalizam o adjetivo trágico! A tragédia possui elementos bem definidos, ressaltados por aristóteles no seu célebre A Poética. Não identifiquei nenhuma hamartia ou uma catarse para puni-la. Este texto é, na mais amigável das hipóteses, um ditirambo. Por ter sido feito em homenagem provável a Baco :)

O Destro & O Canhoto disse...

Adoro comentários difíceis, cheios de "teoria', como o que está logo acima. Well...nem todos são tão inteligentes assim, né? Eu sei que eu não sou!

O Canhoto

YagoMurakami disse...

OMG! historinha cabeluda xD~
sera que ela se mato? O.o
boa história, tu que fez?

abraços!


http://wallnosekai.blogspot.com/

O Destro & O Canhoto disse...

Oi amigo.. finalmente to trabalhando num conto/post hehe...

ah sobre o comentário ali... nós dissecamos "a poética" do Aristóteles na oficina aqui. Depois falamos sobre.

Besos.

Saudade.

O Destro.

Jeffmanji disse...

Iji.. pensei que este conto seria só sacanagem! Errei feio! muito bom mesmo. Parabéns!

Obrigado pela visita lá no Arroto. Volte sempre!