- Por favor, eu quero que a minha sepultura seja bem rasa.
Ele ergueu os olhos. Ficou ali, estático. E, sem olhar para trás, ouviu, novamente, a voz:
- É que eu quero sentir a chuva...eu gosto da chuva.
Vagarosamente, o coveiro virou-se. Com a pá na mão viu, na beira da cova, em pé, a figura de um homem. Estava de terno preto. Segurava as duas mãos na altura do peito. Parecia constrangido e assustado.
- Você entendeu? A cova....não faça um buraco muito grande...assim eu posso...
- Quem é você? – disse o coveiro.
- Eu? Eu, bem...não sei se isso faz diferença. A essa altura da minha vida...
Foi quando o homem de terno parou de falar. Seus olhos, que antes demonstravam uma dose de “pena de si próprio”, fixaram-se no chão marrom da terra tirada de dentro do buraco. Lembranças invadiram sua mente. A palavra “vida” soou em seus ouvidos de maneira estranha. Ao capotar com o carro em uma estrada, o homem de terno jamais imaginara que, algumas horas depois, estaria ali, de pé, ao lado de sua cova.
Ainda sem compreender, o coveiro insistiu: Quem é você?
- Eu sou a pessoa que...vai morar aí embaixo....(pausa)....estranho isso, não?
- Desculpe, mas eu não estou entendendo. Vou subir aí, porque não consigo ver seu rosto, disse o coveiro, confirmando a total falta de compreensão da situação. Ao aproximar-se, o coveiro girou a cabeça para o lado, desconfiado:
- Tenho a impressão que eu lhe conheço...de algum lugar...
As mãos do homem de terno pareciam agora querer dizer algo, embora não soubessem como.
- Hã....deve ser da capela A?
- Olha, até pode ser...se bem que.... – foi aí que o coveiro engoliu seco.
- O que foi? Fiz algo de errado? – indagou o homem de terno, dando dois passos para trás.
- Você....vo...é o...caixão...eu vi....lá... – as pernas do pobre homem afrouxaram-se. Agarrou-se na pá, que o segurou de seu próprio medo. Ou horror. Ele vira o homem de terno. Duas horas antes. Dentro de um caixão, na capela A. Era o velório de um homem que morrera em um acidente de carro. “Essa vida não vale nada”, pensou, ao olhar o homem no caixão. De lá, o coveiro seguiu para cumprir sua tarefa diária. Abrir covas.
- Olha, não quis assustá-lo. É que já é desgastante o suficiente ficar horas encralacado dentro daquele caixão. Se você puder fazer eu me sentir melhor dentro dessa cova, já me ajuda, revelou o homem de terno, com um sorriso amarelo de dar dó.
Silêncio.
Mais silêncio.
- Você...você está com medo né? Bem, eu....que constrangedor. É a primeira vez que me sinto assim. Talvez porque eu nunca tenha morrido antes né?, disse o homem, tentando descontrair o bate-papo com um risinho.
Mas a face do coveiro parecia envergar-se de pavor a cada nova palavra saída da boca do falecido. Balançava a cabeça negativamente, como que tentando acordar-se de um pesadelo. Mas ele não estava dormindo. Tremendo, segurou a pá. Respirou longamente e, numa ação mecanizada, começou a jogar a terra para dentro do buraco novamente. O defunto continuava ali. O coveiro, trabalhando com a pá de costas para o homem de terno, sabia disso. De repente, um raio invadiu o céu escuro. E os primeiros pingos de chuva começaram a cair. Tímidos. Depois, ferozes. A face do coveiro, molhada, continuava fixa na pá e na terra lançada para dentro do buraco.
Ele ergueu os olhos. Ficou ali, estático. E, sem olhar para trás, ouviu, novamente, a voz:
- É que eu quero sentir a chuva...eu gosto da chuva.
Vagarosamente, o coveiro virou-se. Com a pá na mão viu, na beira da cova, em pé, a figura de um homem. Estava de terno preto. Segurava as duas mãos na altura do peito. Parecia constrangido e assustado.
- Você entendeu? A cova....não faça um buraco muito grande...assim eu posso...
- Quem é você? – disse o coveiro.
- Eu? Eu, bem...não sei se isso faz diferença. A essa altura da minha vida...
Foi quando o homem de terno parou de falar. Seus olhos, que antes demonstravam uma dose de “pena de si próprio”, fixaram-se no chão marrom da terra tirada de dentro do buraco. Lembranças invadiram sua mente. A palavra “vida” soou em seus ouvidos de maneira estranha. Ao capotar com o carro em uma estrada, o homem de terno jamais imaginara que, algumas horas depois, estaria ali, de pé, ao lado de sua cova.
Ainda sem compreender, o coveiro insistiu: Quem é você?
- Eu sou a pessoa que...vai morar aí embaixo....(pausa)....estranho isso, não?
- Desculpe, mas eu não estou entendendo. Vou subir aí, porque não consigo ver seu rosto, disse o coveiro, confirmando a total falta de compreensão da situação. Ao aproximar-se, o coveiro girou a cabeça para o lado, desconfiado:
- Tenho a impressão que eu lhe conheço...de algum lugar...
As mãos do homem de terno pareciam agora querer dizer algo, embora não soubessem como.
- Hã....deve ser da capela A?
- Olha, até pode ser...se bem que.... – foi aí que o coveiro engoliu seco.
- O que foi? Fiz algo de errado? – indagou o homem de terno, dando dois passos para trás.
- Você....vo...é o...caixão...eu vi....lá... – as pernas do pobre homem afrouxaram-se. Agarrou-se na pá, que o segurou de seu próprio medo. Ou horror. Ele vira o homem de terno. Duas horas antes. Dentro de um caixão, na capela A. Era o velório de um homem que morrera em um acidente de carro. “Essa vida não vale nada”, pensou, ao olhar o homem no caixão. De lá, o coveiro seguiu para cumprir sua tarefa diária. Abrir covas.
- Olha, não quis assustá-lo. É que já é desgastante o suficiente ficar horas encralacado dentro daquele caixão. Se você puder fazer eu me sentir melhor dentro dessa cova, já me ajuda, revelou o homem de terno, com um sorriso amarelo de dar dó.
Silêncio.
Mais silêncio.
- Você...você está com medo né? Bem, eu....que constrangedor. É a primeira vez que me sinto assim. Talvez porque eu nunca tenha morrido antes né?, disse o homem, tentando descontrair o bate-papo com um risinho.
Mas a face do coveiro parecia envergar-se de pavor a cada nova palavra saída da boca do falecido. Balançava a cabeça negativamente, como que tentando acordar-se de um pesadelo. Mas ele não estava dormindo. Tremendo, segurou a pá. Respirou longamente e, numa ação mecanizada, começou a jogar a terra para dentro do buraco novamente. O defunto continuava ali. O coveiro, trabalhando com a pá de costas para o homem de terno, sabia disso. De repente, um raio invadiu o céu escuro. E os primeiros pingos de chuva começaram a cair. Tímidos. Depois, ferozes. A face do coveiro, molhada, continuava fixa na pá e na terra lançada para dentro do buraco.
Após alguns minutos diminuindo o tamanho da cova, ele virou-se. A visão embaçada pelo temporal – ou pelo temor de olhar novamente para trás – denunciou a ausência do homem de terno. Ele não estava mais lá. Foi quando a chuva cessou. Olhando para dentro da cova, o coveiro, inesperadamente, sorriu.
O homem de terno já poderia sentir a chuva.
O homem de terno já poderia sentir a chuva.
E descansar em paz.
O Canhoto
14 comentários:
Surreal, uma cova rasa para toda a poesia...
Otimo Blog
Abraços
Everaldo Ygor
http://outrasandancas.blogspot.com/
Nossa! Que sombrio!
Muito bem bolado! Mais uma vez um ótimo conto! Assustador e morbido talvez, mas bonito em seu significado!!
Muito bom o conto, , vou ver se visito mais vezes o blog.Abraços!!!!
http://cotidianodeumchuveiro.blogspot.com/
Nossa, foi lindo o final. Fiquei um pouco amedrontada achando que seria um conto assustador no começo rsrs
Bom, pior é qu enão tem como a gente escapar. Vai todo mundo p/ mesmo buraco. Sorte deste aí que ainda conseguiu sentir a chuva pela última vez...
se quiser visitar: http://digaoquequiser.blogspot.com
Excelente conto, grande final ... Não conhecia o blog, voltarei mas tarde pra ver os seus antigos post !!
Abraço
hummm... virei aqui quando for lá!!!!
Chantagem!@!!!!!!!!
Muito bom, muito bom mesmo... o ritmo da história é maravilhoso...
Valeu.
Nossa, muito bom o texto.
Esses coveiros devem ser todos complexados, coitados. Todo dia abrindo cova e cuidando dos mortos. xD
Fiquei arrepiada mas amei a história...vc escreve muito bem!
Parabéns!!!
Abraços e boa semana!
nussa muito bom
abraço.
te espero aqui
http://conversandofrancamente.blogspot.com
=*
Muito bom o texto. Bem detalhista genial.
Gostei mesmo.
Obrigado pelo comentario.
Alias.
Meu album nao tem muitas recordaçoes mesmo, afinal as recordaçoes mais importantes jaz em mim.
http://inimigosocial.blogspot.com
l.Pietro
Cara, valeu pela visita, mas quero deixar claro que ler seus textos são um ato de puro prazer pra mim, faço com muita satisfação e sem pensar em retribuições...
Valeu.!!!!
muito massa! gostei!
muito massa! gostei!
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