segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Randômico

Escolhi o bolo pela cara. Era de milho. Gosto de milho. Podia ser de côco. Eram todos parecidos na vitrine gordurosa. Eu podia, também, ter escolhido pelo sabor e assim solicitar ao atendente. Mas não o fiz. Escolhi aleatoriamente, pela aparência mesmo. Queria o efeito surpresa.

Saindo da padaria havia uma bifurcação e eu sempre ia pela esquerda. Não sei por que razão, mas normalmente era assim. Parei diante dela e fui pela direita, como que desafiando o hábito, provocando o cérebro já acostumado a não pensar mais sobre o trajeto já traçado mentalmente.

Não que eu nunca tivesse tomado o caminho da direita. Eu o conhecia, mas só ia por ele quando havia uma necessidade de passar por ali, como comprar algo na farmácia, que pelo caminho da esquerda não encontrava, ou quando queria ver, na pet shop, os filhotes de cachorros que lembravam minha infância. A distância era a mesma e a paisagem era até mais bonita. Por que diabos eu nunca ia por ali? Não sei.

Quando cheguei na parada de ônibus lembrei que, além de existirem outras duas linhas possíveis para aquele trajeto, ainda havia a opção do metrô, por um preço quase equivalente. Arrisquei o trem. Nada mal. Naquele horário estava até mais vazio que os coletivos urbanos.

Desci no meu ponto e entrei na primeira floricultura que encontrei. Normalmente eu levaria rosas. Achei tão previsível que, mais uma vez no mesmo dia, arrisquei. Levei uma única e lasciva orquídea lilás para nosso primeiro encontro amoroso.

Após o banho em casa, fiz o mesmo. Deixei de lado a camisa azul passada e separada para o compromisso de logo mais. Vesti a rosa, clarinha, tão elegante nas revistas, mas que eu sempre evitava usar. Sei lá. A azul era tradicional e caía tão bem. Também ousei no perfume. Troquei a confiável fragrância amadeirada por uma cítrica do frasco quase cheio.

Conheci Joana quando saíamos do cinema. Era uma comédia romântica. Geralmente não assisto a comédias românticas. Não lembro do título e nem dos protagonistas, mas lembro dela, com seu cabelo longo que, conforme as rajadas do ar condicionado, duas filas diante da minha, revelava um pouco da sua nuca e me causava arrepios.

Na saída, simulei um esbarrão e, me desculpando, desajeitado, puxei assunto. Ela sorriu de um modo tão revelador deixando evidente que percebera meu forjado encontrão. Corei. Ela, entretanto, correspondeu e foi delicada. Achou aquilo engraçado, como confessara no nosso primeiro café, no dia seguinte. Falamos por quase uma semana ao telefone, até o dia de hoje.


Ela me recebeu deslumbrante num vestido preto, curto, colado. Convidou-me a entrar, colocou a flor sobre a mesa e sugeriu um vinho. Ofereceu-me três opções. Deixei que ela escolhesse. Já confiava no seu bom gosto. Ela serviu camarão e fui obrigado a revelar minha fatal alergia. O susto logo cedeu lugar ao riso e lembramos que ontem mesmo ela havia perguntado sobre alguma restrição alimentar, e eu omiti. Estava me divertindo com tanta novidade e leve por permitir o acaso.

Com os corpos colados, mais quentes e audaciosos que quando sóbrios, e antes do primeiro e arrebatador beijo, ela entregou:

- Meu verdadeiro nome é Jorge.

Pois podia ser João, José, Juvenal, Jurandir. Já não tinha a menor importância.

O Destro

11 comentários:

coisasqueeuvivendo disse...

Muito bom.
Nunca peguei bonde errado, mas não teria medo de pegar bonde certo.O que é o gosto do vinho, o cheiro da flor, o toque do vestido colado o gosto do camarão e, é claro, o quão quente é o beijo.

Ninguém disse...

hahahahahahahahaha
Nem tudo na vida é perfeito não é mesmo?! E afinal de contas a rotina e o mesmo não foram mesmo mantidos!
Ótimo post [ainda estou tentando achar um aqui que nao seja!]!
O Texto será publicado logo mais [falei com o Sr. Canhoto Thiago Toscani]! Aparece no "Plágio Criativo" para conferir!

Ninguém disse...

Só mais um pequeno favor! Queria um poquinho mais de informações sobre vocês, tipo nome, idade, profissão! Na verdade só falta saber os nomes!
Vai ser publicado juntamente com o texto!

Monalisa Marques disse...

Começou ousando e terminou da mesma forma, levando em conta as considerações do que é "normal" feitas pela sociedade.

Belo texto. Belo mesmo. Muito bem escrito e envolvente. Apesar de já ser tarde, não me deu a mínima vontade de dormir.

:)
Parabéns pelo blog.
Ganhaste uma fã.

Monalisa Marques disse...

Começou ousando e terminou da mesma forma, levando em conta as considerações do que é "normal" feitas pela sociedade.

Belo texto. Belo mesmo. Muito bem escrito e envolvente. Apesar de já ser tarde, não me deu a mínima vontade de dormir.

:)
Parabéns pelo blog.
Ganhaste uma fã.

MaxReinert disse...

... nunca é tarde para se provar coisas na vida!... quem foi que disse "dessa água não beberei"?.... eu não!
bjz

MaxReinert disse...

ops.. esqueci de dizer:
tem uma indicação, prêmio selo pra vocês lá no Pequeno Inventário... passem lá depois pra ver!
abraço!

O Antagonista disse...

(pausa para recuperar o fôlego de tanto rir)

Muito bom, cara, divertidíssimo!

Parabéns, valeu.

BlacK SnaKe disse...

meu nota 10 pelo texto!! Super criativo e envolvente!! Claro no fim eu msm levei um susto pois até então estava assimilando as decisões tomadas no texto ao meu cotidiano que tbem tem as msm coisas, caminhos diferentes, decisões a tomar, enfim coisas que a dificilmente a gente consegue mudar!
Vou me inspirar na sua criatividade! abraços!

Ricjk disse...

Adorei! Barpp.

Levy Lopes Furtado disse...

hahahahahahhahahaahhahahahah

Por isso que gosto das coisas planejadas...