domingo, 5 de agosto de 2007

Adalgisa


- Você esqueceu o tom fúcsia cintilante Adalgisa!
- Ai, dona Clarice. Eu achei que tivesse trazido, mas andei tão confusa nos últimos tempos.
- Pois eu fiquei sabendo. A Joana do 301 disse que da última vez você tremia tanto que arrancou bifes das mãos dela.
- Ai, dona Clarice, sabe o que é, eu estava tomando um remédio para síndrome do pânico e ficava tremilica.
- Trêmula? Síndrome do pânico? Em que revista de madame você leu isso Adalgisa?
- Ai, dona Clarice. É verdade. Foi o doutor que disse, o tal pissiquiatra.
- Psiquiatra Adalgisa, com pê mudo.
- Ai, dona Clarice.
- E desde quando manicure tem dinheiro pra pagar psiquiatra, Adalgisa?
- Ai, dona Clarice. Eu faço as unhas da esposa dele e das quatro filhas. Falei pra ele do meu problema e ele topou me ajudar. Trabalhei de graça pra elas durante um tempo para pagar a consulta e os medicamentos.
- Permuta entre psiquiatra e manicure é novidade pra mim.
- Ai, dona Clarice, mas eu não andava nada bem.
- O que aconteceu Adalgisa?
- Ai, dona Clarice, tenho vergonha.
- Deixa de bobagem, Adalgisa. Conheço sua vida como a palma da minha mão, ou melhor, como você conhece a minha, há 15 anos. Tem a ver com o Chicão?
- Não senhora. Quer dizer, sim e não.
- Como assim?
- Ai, a senhora sabe que eu sempre morei sozinha com a Naninha e que há dez anos eu tentava levar o Chicão lá pra casa. Foram cinco anos pra convencê-lo e mais cinco pra Naninha aceitá-lo sob o mesmo teto.
- Sim, sim. Conheço cada capítulo dessa novela.
- Ai, dona Clarice. O fato é que desde que ele se mudou pra lá eu não conseguia ir ao banheiro.
- Como assim, Adalgisa?
- A senhora sabe. Fazer as necessidades. Uma prisão de ventre monstruosa, como se diz. No início era o medo de fazer barulho, o Chicão escutar e perder o tesão por mim. Afinal, foi pela cama que fisguei o homem. Assim, eu esperava ele sair e tudo bem, mas depois nem com ele fora de casa, nem em banheiro público ou da vizinha.
- Meu Deus. Era grave mesmo. E o que você fazia?
- Eu colocava o relógio pra despertar as três horas da manhã e ia até a horta e, bem, fazia ali mesmo, no canteiro dos temperos.
- Adalgisa!
- Ai, dona Clarice, não tinha outro jeito. Mas eu já estava até gostando daquilo. Um silêncio absoluto, e a senhora precisava ver, os temperos cresciam que era uma beleza.
- Você não está me dizendo que a feijoada que você trouxe...
- Ai, dona Clarice. Claro que não.
- Hm. Menos mal. E o que disse o doutor?
- Então. Me receitou um remédio lá e logo foi passando.
- Você nunca pensou que podia ser flagrada nessa situação? Alguém podia atirar em você pensando que fosse um vândalo, um bandido.
- Lá na vila não tem disso não. Anoitece e todo mundo se fecha em casa. Mas já passou dona Clarice.
- Mesmo?
- Sim senhora. Só não posso ver uma horta que fico toda arrepiada.

O Destro



7 comentários:

Isis B. disse...

HAHAHA
muito bom!
Me lembra uma história....
Beijos
Clem

O Antagonista disse...

Nossa, que situação delicada! ahahahah.... viciou na adubação.

Valeu!

Nanzica disse...

Nossa!!
que demais!!
ahahahaha

Vou pensar melhor qdo for comer algo da horta. hehe

MaxReinert disse...

huahuahuahua... sem comentários!!!

Rê Silbat disse...

Ai Destro... Se Adalgisa visse a horta da casa de meu avô, borraria-se toda... ahahah

;*

Claudia Magnólia disse...

Muito Bacana! Parabéns!

Luidi disse...

Quer dizer q a feijoada... hauhauhauhauhau muito bom! Hilário!

Parabéns pelo texto!

[caroneiro.blogspot.com]