quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Sob a luz do neon


O azulado da velha cortina que cobria parte da janela misturava-se à visão embaçada, fazendo com que a explosão de cores do neon que piscava na rua e invadia o local parecesse ainda maior. Tentou mover-se. Percebeu uma garrafa de vodka que, ao lado de seu pé esquerdo, equilibrava-se entre copos, cinzeiros e um aparelho de som. "Merda.....", disse, ao perceber a cabeça pesando três toneladas. Queria levantar-se, mas preferiu elevar sua mente a qualquer estado que o fizesse recordar o que exatamente fazia ali. Deitado em uma cama estranha, percebeu a ausência quase completa de roupas. Estava só de cueca. E terrivelmente embriagado. "Maravilha", dizia. “Maravilha...”. Com a velocidade de uma lesma, virou-se. “Merda de bebida....porra....”. Na nova posição que assumira na cama pôde observar o ambiente com mais calma. Suas roupas jogadas no chão. Tentou visualizar o volume da carteira com documentos e grana no bolso traseiro da velha calça jeans que usara na noite anterior. A visão distorcida pelo alto teor alcoólico no sangue não deixou. Mesmo assim, esforçou-se para chegar mais perto. A carteira estava lá. O dinheiro também. E foi ali, com o braço esticado rente ao chão que percebeu o vapor saindo por debaixo da porta. “Tem alguém tomando banho ali”, disse para si mesmo. Olhou mais uma vez ao redor e percebeu que estava em um quarto. Poderia ser um quarto de motel. Ou de hotel. “Dos mais decadentes”, constatou. Ou poderia ser o apartamento de alguém. “Mas quem?”, perguntava-se. Da noite passada lembrava-se apenas de sair para comemorar a “contenção de despesas” da empresa onde trabalhava há mais de cinco anos. E a despesa era ele. Jogado na sarjeta, sem emprego e com a rescisão de trabalho toda na carteira, saiu para beber. Só não imaginava que o fundo do copo não fosse o limite. Ali, de cueca, sem saber onde estava e com o barulho do chuveiro ao lado sendo desligado, ele percebeu: “estou no fundo do poço”. Quando a porta definitivamente se abriu, uma figura loira adentrou o quarto enrolada em uma toalha verde-limão desbotada. Do banheiro até o play do aparelho de som foram só alguns passos.

I couldn't resist him
His eyes were like yours
His hair was exactly the shade of brown
He's just not as tall, but I couldn't tell
It was dark and I was lying down
You are everything, he means nothing to me

A figura de cabelos dourados parecia ignorar a presença de um homem só de cueca na sua (?) cama. Foi então que, completamente desajeitado e sem enxergar direito, ele disse: “Isso aí é Amy Winehouse?”. “É. Gosta?”, disse a loira, despindo-se calmamente da toalha. Foi desse momento em diante que ele desejou não ter perguntado. Ou melhor. Não ter nascido. Ou ainda: ter morrido. De boca aberta, observava a cena mais dantesca vivida por ele até então: a moça em questão era uma trava. Uma traveca. Um travesti, que secava os cabelos loiros com a toalha verde-limão desbotada, fazendo passinhos conforme a música e entoando um inglês embromation. Pior que isso, era a pergunta que ele fazia a si próprio: "O que é que eu estou fazendo aqui????"

What do you expect?
You left me here alone
I drank so much and needed to touch
Don't overreact, I pretended he was you
You wouldn't want me to be lonely


Àquela altura do campeonato, embriagado pela bebida ou pelo puro absurdo da situação, questionava-se sobre o que teria acontecido, sobre até onde chegara na noite anterior, sobre como fugir dali e fazer com que ela (ou ele) se esquecesse de tudo (ou seria nada?) que tivesse acontecido (ou não) entre os dois. Moveu o rosto para o lado oposto, em direção ao neon que, incansavelmente, derramava suas cores sob o chão do quarto. Lembrou-se da vodka ao lado do pé esquerdo. Não pensou duas vezes: agarrou-a e, num momento intensamente dramático, virou um gole desesperado. Outro gole. Mais um. E de novo. Em um nano segundo adormeceu novamente sob a luz do neon, de cueca. Antes de sair, a loira sentou ao seu lado e, sorrindo, cantarolou o último refrão de Amy Winehouse:

Yes he looked like you
But I heard love is blind

Sim, ela era fiel ao seu amor. E ele poderia dormir descansado.

O Canhoto

13 comentários:

Jeffmanji disse...

Massa o texto, véio. Clima de cabará (mesmo gringo) mui rulez!

Valeu!

Climão Tahiti disse...

E horas depois acordou novamente sem saber o que acontecera.

E o ciclo se repetiu. =p

Rê Silbat disse...

Canhoto, juro por deus que pensei num traveco tomando banho antes de constatar que realmente era... ahah

Meu, muito gostoso o blog de vocês.

;*

MaxReinert disse...

hummmmm... que medo!!!
Acho que vou parar de beber depois desse conto!!!

hauhauhauhau

bjzzz

Anônimo disse...

Parece mesmo com um canhoto escrevendo.
Já leu Caio Fernando Abreu? No começo achei que fosse um trecho. Adorei.
Veridica a história? heheh.

Lety pagb disse...

muuito rox...

Tarzan ® disse...

Muito bom o conto.
História bem interessante.
Parabéns pelo seu blog.

Blog Esponja ®
www.blogesponja.net

Unknown disse...

Categoria... Classe... Elegância(!?)...
Muito bom mesmo...
Tornei-me fã. hehehehe

O Antagonista disse...

Mais um show de bola! Nossa, que situação... e a descrição do ambiente é sensacional.

valeu.

coisasqueeuvivendo disse...

Muito bom.
certamente o prazer e o tesao da noite anterior ficaram escondidos na culpa e nas convenções sociais da manhã. Mas ele adormeceu de cueca com ela ao lado cantarolando. O que significa que no fundo ele gostou.

Anônimo disse...

como sempre o texto é carregado de sentimento.

t. lovz!

reflexões disse...

muito bom o texto, mas eu tb pensei q seria um traveco tomando banho!!!!! MAs foi muito interessante!
Mais uma vez vcs estão de parabéns pelos textos!!!

Mr. Rickes disse...

Bem criativo o texto.
Gostei.
Mesmo as partes em inglês, que eu odeio.

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