segunda-feira, 27 de novembro de 2006

bastiDORES


Além de escrever eu também gosto de cantar. Um belo dia eu resolvi admitir esse desejo e comecei a fazer aulas de canto. Desde então melhorei bastante minha técnica vocal. Passei no teste para o coral da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas acabei desistindo logo após alguns encontros onde a desorganização e o desinteresse prevaleciam. Optei então por seguir com as aulas particulares, onde eu era o foco e o rendimento, portanto, maior.

Um dia, quando fui assistir a um recital do meu professor de canto, surgiu numa conversa com outra aluna, que até então eu não conhecia, a possibilidade de inscrição para o programa Ídolos do canal SBT (a versão nacional do American Idol), que estava começando as audições para sua segunda edição. Ela já estava inscrita e sugeriu que eu fizesse o mesmo. Conversei com meu professor e em poucos dias havia efetuado a inscrição para a cidade de Florianópolis, a mais próxima de Porto Alegre dentre as opções disponíveis.

A audição estava marcada para o dia 18 de novembro. Cheguei dia 17 e me hospedei na casa do Canhoto. Rimos, matamos a saudade e ele saiu com amigos enquanto eu ficava em casa para poupar a voz. Afinal era para isso que havia viajado.

Dia 18, lá estava eu às 7h da manhã. Fui um dos últimos a chegar, embora estivesse programado para começar às 8h. Com certeza havia pessoas há muitas horas por lá. Encontrei a colega e ficamos juntos na imensa fila que devia ultrapassar as 3 mil pessoas. Ficamos cerca de 6 horas envolvidos com o que foi nada mais do que a confirmação de inscrição. Toda esta demora por que a produção do programa precisava filmar e pedia que todos gritassem, forjassem animação e abanassem e sorrissem para as câmeras. Nós ficamos de canto o máximo possível. Desconectados.

As grosserias na produção eram constantes. Uma produtora perguntou a uma candidata o seu nome, ao qual ela respondeu Schanna, soletrando. A tal produtora imediatamente começou a gritar dizendo que ela não era uma artista e que deveria dar o nome real e não o artístico por que ate então ela era apenas uma qualquer numa fila de desesperados. A garota apenas repetiu, intimidada, “meu nome é Schanna”. Constrangimentos como este não faltaram, como quando pediam às pessoas para ter em mãos o documento de identificação e outro produtor berrava num megafone: “se eu disse em mãos é em mãos e não na bolsa”. O que era totalmente desnecessário, até por que as inscrições mesmo não duraram mais de meia hora, o resto todo foi baboseira fake para um programa de TV que estava se revelando extremamente fajuto.

Saímos dali com uma pulseira no braço e mais uma grosseria na cara: “não tirem a pulseira nem para tomar banho ou dormir, se o lacre for rompido vocês estão fora”. A menina que estava comigo já desistiu imediatamente. Resolvi ficar até o dia seguinte quando então teríamos que cantar para um produtor que diria se poderíamos cantar para os jurados (aquela parte que se vê na TV) durante a semana (de segunda à quinta). Era final de semana mesmo e voltar pra Porto Alegre no dia seguinte não faria a mínima diferença. Mais uma vez evitei de sair com meus amigos para poupar a voz. Desta vez já sem a mesma convicção.

No domingo cheguei uma hora antes. E novamente fui um dos últimos. Todos tiveram a mesma idéia. Chovia muito e fazia frio. Logo deixaram que todos entrassem no ginásio para escapar da chuva. A atitude bacana durou pouco, quando obrigaram todos a sair para que eles captassem as imagens de filas que não haviam sido feitas no dia anterior. Quando todos formaram a fila, fecharam os portões e a espera na chuva levou quase 4 horas. Não permitiam que as pessoas abrissem seus guarda-chuvas, pois isso prejudicaria as imagens, e não deixavam sair dali nem mesmo para ir ao banheiro sob pena de desclassificação. Outras pessoas desistiram ali mesmo, algumas passaram mal.

Não sei qual foi a razão que me levou a suportar mais algumas horas até entrar no ginásio. Pensei qual outra audição(?) no mundo deixaria seus aspirantes quatro horas sob a chuva antes de mostrarem suas vozes. Me senti um otário por ter desejado preservar a voz. E as meninas de “chapinha” no cabelo então, era de dar dó. Conheci mais algumas pessoas na fila, algumas visivelmente talentosas, já que as pessoas faziam o possível para aquecer a voz ali mesmo e ensaiar antes de tentar a sorte. Dentre eles um rapaz com maior pinta de superstar e que havia sido finalista do programa FAMA da Rede Globo. Não só foi finalista como dava aulas de canto há anos. Pois bem, não deixaram que ele terminasse o primeiro verso dizendo que “não havia sido dessa vez”, que ele “deveria aprender a cantar”. Fiquei meio atônito tentando entender afinal o que eles estavam buscando. Foi quando lembrei das grosserias da produção, da palhaçada das filas desnecessárias, do freak show formado por mais da metade dos presentes, da chuva, do frio e conclui mais uma vez, a última: isso é só um programa de TV, não é uma audição séria nem aqui nem a China. E antes que terminasse o primeiro verso, voltei para casa e para Porto Alegre entendendo de vez que este não é o meio.

Mais uma experiência, outra lição. Quando você leva algo a sério (mesmo sabendo que talvez eu não deva levar tudo tão a sério), como eu trato tudo com que me envolvo, como meu trabalho, amizades, relacionamentos, meus textos, a música, é preciso exigir que te tratem de forma equivalente. É esse o critério que uso pra revelar o que serve pra mim.

O Destro

3 comentários:

Anônimo disse...

lamentável
é uma manobra imbecil pela audiência infâme. Eu aposto que programas mais éticos teriam igual audiência, mas não se tem chance de ver algo sério na TV.
Pior que as coisas mais cultas são feitas com uam estética massante, acachapante.
Mas tu foi, porque tu entende as coisas com respeito. Não desista, nunca, de dar respeito mesmo a quem não merece nestes shows e audências que vivemos por ai...
beijo especial pra ti

Anônimo disse...

Ei minino... tivesse me perguntado... eu fui com um amigo no ano passado, fazer companhia e brincar um pouco... Ele canta muito, e eu, com essa voz nasal, fui por ir... Ele não passou do primeiro dia (bem... nem eu) e vimos aberrações que achavam que TOM era um humorista passar de fase...

O canal de ir para um lugar desses é ir descompromissado... e chegar cedo... eles tem uma cota... se tu ficas para o final, a chance da cota estar cumprida é grande e és eliminado na certa... Tem mais... cantar bem não basta... na primeira seleção deves escolher algo que esteja no top 10 de alguma rádio, mas que ainda não seja grudento de tão repetido... são inúmeras questões a ser analisadas...

:(

Eu teria ido contigo... hehehehe... me divertir outra vez...

Ahhh... não publica isso...

Anônimo disse...

Oi amigo!
Pois é... na verdade o que eles querem é uma carinha bonita e que cante meia boca, isso justificaria pq o Angel não ganhou na edição anterior.
Quanto ao tratamento da produção, sei bem como é, pois participei da edição masculina do POPSTAR e eles tratam o pessoal mal mesmo. Pior ainda era tu passar horas cantando pro nada e depois o "jurado" dicar 5 seg na tua frente te ouvindo cantar...
Abração e bom final de ano p tu!