COISINHA À TOA

Casal sentado num banco de praça sob o sol.
Aparente clima de tranqüilidade.

ELE – Vamos ser honestos?
ELA (rindo) – Repete...
ELE – Honestidade. Tô falando sério.
ELA – Há...não achei que fosse sério. Pelo contrário. Você adora uma piada.
ELE – É que tem momento pra tudo...
ELA – Sim...mas por que um pedido desses agora? Assim? Do nada?
ELE – Ah, é bom conversar de forma franca.
ELA – Então tá. Sejamos francos. Mas você começa.
ELE – Por que eu?
ELA – Ué! Você que começou.
ELE – Comecei o que, meu Deus?
ELA – Esse papo de honestidade, ora.
ELE – Mas assim não funciona. Tem que ser natural.
ELA – Se fosse pra ser natural o papo deveria te surgido, simplesmente. Não foi o caso.
ELE – É. É que é difícil...
ELA – Ser honesto?
ELE – Não. Quer dizer..sim. Pelo menos para o que eu quero te falar.
ELA – Há!!! Então você tem algo pra falar. Achei que era uma espécie de joguinho pra descobrir algo sobre mim. Fala.
ELE – Falar o que?
ELA – Você tá bobo ou o que? Fala, criatura!
ELE – É que...não sei por onde começar...
ELA – Pois trate de começar. Afinal, foi você mesmo que começou.
ELE – Comecei o que, meu Deus?
ELA – Ai, tô perdendo a paciência, Cristiano...
ELE – Tá certo. Mas quero que você saiba que não é nada contigo. É comigo. Acho...
ELA – Já sei.
ELE – Sabe?!
ELA – Claro. Sei exatamente o discurso que vai sair da tua boca.
ELE – Mas como?
ELA – Fácil. Você é gay.
ELE - ....
ELA – Cristianooo...dá um tempo. Já sabia disso. Pensei que fosse algo novo.
ELE – Mas...e...e...você não se importa?
ELA – Eu? Imagina...
ELE – Pensei que você se importasse com a gente....
ELA – Claro que me importo. Por isso não me importo com o que você acabou de dizer...quer dizer, acabou de tentar me dizer, porque eu já sabia, enfim...o que for....
ELE – Mas, Kika, é que eu...
ELA – Sem drama. Já to acostumada com a idéia.
ELE – Acostumada??
ELA – É, acostumada. Normal, hoje em dia.
ELE – E como fazemos....digo, daqui pra frente?
ELA – Há...nada...aliás...só não queria ficar sozinha...
ELE – Como assim?
ELA – Já ouviu falar em manter as aparências?
ELE – Cê ta dizendo que quer continuar o namoro assim, de mentirinha?
ELA – É. Sabe como é. Hoje em dia ta difícil o negócio, coisa e tal. Não quero me sentir só. Tá afim?
ELE – Por mim...tá....tudo bem...mas sem competições, né?
ELA (rindo de novo) – Cristianooo, claro...Fica calmo. Não vamos competir.
ELE – Tá bom. Que bom que você entendeu. Obrigado, tá?
ELA (muito meiga) – De nada. Coisinha à toa.

Os dois se olham e se abraçam fortemente. Levantam e saem juntinhos, como um casal dos mais apaixonados.


O Canhoto.